domingo, setembro 11, 2005

“Desporto” - Um meio de Combate à Indisciplina

"Será que a actividade física não é cada vez mais,
um meio para se chegar a um fim?"

Apenas um exemplo ...

A história que vou relatar julgo ser um real exemplo daquilo que a actividade física, quer seja Desporto, quer seja Educação Física, poderá contribuir para uma melhor educação/formação dos nossos jovens, mesmo quando inseridos em meios sociais menos propícios para um desenvolvimento multilateral, saudável e positivo.

Na minha experiência como professora de Educação Física, durante um ano lectivo, passei por uma Escola que me marcou de várias formas. Esta era considerada uma das escolas mais problemáticas em termos de indisciplina e agressividade detectadas no comportamento dos seus alunos.

E ali estava eu, uma principiante num grupo de E.F. muito heterogéneo ao qual pertenciam dois jovens colegas também inexperientes, pois estavam a leccionar pela primeira vez após o estágio; um outro colega já bastante experiente e já muito "cansado" para se preocupar com as questões que a escola enfrentava; e por fim, uma colega (delegada de grupo), esta também já com uma larga experiência, mas com uma força inquestionável para lutar contra as adversidades que a escola e o meio envolvente apresentavam.

Ao falar em adversidades estou a referir-me a situações como: - alunos que faltavam constantemente às aulas mas que, na hora da refeição, eram os primeiros da fila para a cantina e muitas vezes pediam para repetir, pois era a única refeição decente que tinham durante todo o dia; - alunos que tinham um horário para poderem tomar banho no pavilhão polidesportivo para além dos dias em que tinham E.F., para assim poderem usufruir de um mínimo de higiene diária; - alunos que faltavam, os quais encontrava frequentemente a arrumar carros e que me respondiam que assim ganhavam algum dinheiro para casa, coisa que a escola não lhes podia dar. Tudo isto, já para não falar nos actos de indisciplina e agressividade que estes tinham para com os professores, funcionários e para com os próprios colegas.

Quanto às aulas de E.F., a atitude destes jovens era, em geral, bastante diferente. Claro que por vezes havia muita agressividade, principalmente em jogos onde predominasse o contacto físico, o que era natural perante a formação que estes tinham. Só que, apesar de tudo, era a estas aulas que eles evitavam faltar e nas quais participavam com gosto, senão, qual a razão para um aluno me aparecer com o pijama a perguntar se poderia fazer a aula assim, pois o fato de treino ter-se-ia rompido e ele não tinha outro?

Eram estes jovens que estavam sempre prontos a participar em qualquer prova desportiva (corta-matos, etc...), na qual davam sempre o seu melhor não obstante o resultado, mas quando ganhavam sentiam um enorme prazer, porque afinal "também" conseguiam fazer algo de positivo e que lhes era reconhecido.

Por outro lado, sentiam-se injustiçados, pois se era a disciplina que mais gostavam, que mais se esforçavam e eram os professores de E.F. alguns dos quais eles conseguiam manter uma boa relação sócio-afectiva, quando pediam para a Escola organizar um “Torneio de Futebol Inter-Turmas, era-lhes negado pelo facto de serem muito indisciplinados e agressivos em especial nas outras disciplinas.

Perante esta situação, com a insistência de um pequeno grupo de alunos dos 8º e 9º anos (já mais responsáveis) e pela "batuta" da delegada do grupo de E.F., este decidiu avançar com um projecto onde o objectivo seria utilizar o “Torneio de Futebol Inter-Turmas” como um meio de formação destes jovens.

Assim, foi proposto ao então Conselho Directivo da escola, que se realizasse o “Torneio de Futebol Inter-Turmas desde que este fosse organizado por aquele grupo de alunos já mais responsáveis sob a nossa orientação e ajuda, e, em contrapartida, todos os alunos só poderiam participar nos jogos se não tivessem tido nenhuma falta disciplinar na semana antecedente ao jogo e que todo o Torneio deveria ser bastante rigoroso quanto ao aspecto disciplinar dentro de campo.

Prevendo também a integração daqueles que não gostam ou não teriam lugar na equipa, foi promovido um concurso de claques, onde os restantes membros da turma deveriam participar, mas claro, sem carácter obrigatório.

Deu-se então início a uma verdadeira revolução naquela escola, com a motivação do Torneio, os alunos mais "problemáticos" começaram a comportar-se de melhor forma e, quando estes extrapolavam, eram os próprios colegas que os recriminavam, pois geralmente estes são os melhores jogadores das turmas.

Assim, devido ao especial empenho da delegada do grupo de E.F. e dos alunos organizadores, lá se foi realizando o torneio, o qual todo da responsabilidade dos alunos mas, tendo sempre um dos professores de E.F. como observador em cada jogo.

Resumindo, o torneio foi um sucesso em várias vertentes, pois o número de problemas disciplinares diminuiu e, como consequência, o nível de atenção dos alunos nas aulas melhorou bastante, tendo estes mais hipóteses de melhorar o seu aproveitamento escolar.

Mas, o que mais me tocou, foi ver que no dia da final do Torneio, a Escola parou. Todos estavam presentes para assistir aquela festa, foi gratificante assistir à criatividade por eles apresentada no desfile das claques, e ao "orgulho" daqueles que venceram o torneio ao receberem as medalhas das mãos da presidente do Conselho Directivo mas, mais importante ainda, foi quando estes pediram para falar ao microfone e quiseram agradecer a oportunidade que lhes tinha sido dada, a qual eles tinham concretizado com êxito, e agradecer em especial ao grupo de E.F. e especificamente a uma professora (a delegada do grupo de E.F.), a qual foram buscar em ombros para o meio do campo e lhe agradeceram com todo o carinho e entusiasmo possíveis nesta situação.

E foi assim, com lágrimas nos olhos, que, apesar de todas as dificuldades encontradas, ao ver o entusiasmo e empenho destes jovens e com a dedicação e exemplo daquela colega, que tive a certeza que queria ser Professora de Educação Física e que poderia contribuir quer através da E.F., quer através do Desporto para que o mundo das nossas crianças e jovens, amanhã seja um pouco melhor...


Para ti Amélia, o maior dos Beijos!
Obrigado por tudo o que me ensinaste…

1 Comments:

At domingo, 11 setembro, 2005, Anonymous Anónimo said...

são realmente estes alunos que nos marcam, aqueles que nos fazem a vida negra...mas que no final são eles os únicos que têm uma palavra doce de agradecimento, por todo o nosso esforço e empenho!

 

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